O homem que trouxe diversidade à moda

O adeus a André Leon Talley, o primeiro editor negro da Vogue, que enfrentou todo tipo de preconceito e morreu amargurado com o mundo da moda.

 

“Espero que meu livro ‘acorde’ as pessoas a respeito do que é viver em um ambiente branco, aplaudido pelo privilégio branco, e ainda assim ser um homem negro, que venceu.”

Assim termina o epílogo de “The Chiffon Trenches”, livro escrito por André Leon Talley a respeito de sua vida improvável

 

Nascido em 1948, André Leon Talley foi criado na Carolina do Norte por sua avó, que trabalhava como faxineira na Duke University. Crescido durante a época conhecida como Era Jim Crow, quando leis estaduais de segregação racial foram decretadas no país, a luta racial sempre fez parte de sua vida. A avó seria para sempre sua referência de estilo: o editor admirava sua elegância e adorava ir à missa aos domingos para ver o desfile de senhoras de luvas e chapéu.

Em suas memórias, Talley conta como se apaixonou por moda ao ter acesso a um exemplar da revista Vogue. Seu livro é tocante por diferentes motivos, inclusive pelo lado pessoal, em que revela os abusos sexuais sofridos na infância.

Extremamente aplicado nos estudos, ele se formou em Literatura Francesa e fez mestrado na Brown University. O sonho da moda se realizou quando tornou-se aprendiz não remunerado de Diana Vreeland, no MET (Museu Metropolitano de Arte). Ícone absoluta de estilo, a ex-editora da Vogue se encantou por aquele rapaz de 1,98 metros, magricela e desajeitado, mas que tinha uma cultura vasta e uma paixão inabalável pela moda.

Diana Vreeland e André Leon Talley

Graças a Mrs. Vreeland, André conseguiu emprego na revista Interview, do artista Andy Warhol. Começou assim sua impressionante carreira, passando também pela revista WWD (Women’s Wear Daily) e pelo The New York Times. Em seu livro, ele conta que recebeu o apelido de Queen Kong quando foi correspondente do WWD em Paris. Este fato foi apenas um dos muitos episódios de racismo que recebeu em sua trajetória.

Seu encontro com Anna Wintour, a toda-poderosa editora da Vogue, começou em 1988, quando foi nomeado diretor criativo da revista, o primeiro negro a ocupar o cargo. Por décadas, Talley foi muitas vezes o único negro na primeira fila dos desfiles, ou em eventos de moda. Ao longo de seus anos trabalhando na indústria, ele ficou conhecido por seus esforços e sua luta para criar mais espaço para negros na moda. Ele foi o primeiro a escrever sobre LaQuan Smith, e sobre muitos outros designers negros. Lutou, também, pela inclusão de modelos negras nas passarelas e capas de revistas. 

Anna Wintour and Andre Leon Talley during 16th Annual CFDA Awards Gala at New York State Theater at Lincoln Center in New York City, New York, United States. (Photo by Ron Galella/Ron Galella Collection via Getty Images) (Foto: Ron Galella Collection via Getty)

Anna Wintour e André Leon Talley

André, que pontificava como anfitrião do MET Gala, evento criado pela Vogue de Anna Wintour para angariar fundos para o museu, conta em seu livro como foi sumariamente demitido, sem explicação. Ele conta ainda como Karl Lagerfeld, estilista da Chanel e seu amigo de décadas, de uma hora para outra o tirou de seu círculo de amizades. 

A morte de André Leon Talley esta semana nos faz pensar em quanto a moda evoluiu na questão de diversidade – e o quanto ainda há para avançar. Quando imaginamos que a primeira capa da Vogue US com uma negra (a modelo Beverly Johnson) ocorreu em 1974, inacreditáveis 82 anos após a criação da revista, podemos ter uma ideia dos desafios enfrentados por Mr. Talley em um mundo predominantemente branco. 

Sozinho e auto-declarado falido financeiramente, André Leon Talley morreu sem ter feito as pazes com Anna Wintour, que assim se pronunciou após sua morte: “Como muitos relacionamentos de décadas, houve momentos complicados, mas tudo o que quero lembrar hoje, tudo o que me importa, é o homem brilhante e compassivo que foi um amigo generoso e amoroso para mim e minha família por muitos e muitos anos. Uma figura que quebrou fronteiras sem nunca esquecer de onde começou”.

A edição de fevereiro da Vogue Britânica traz em sua capa nove modelos africanas, fazendo história pelo protagonismo negro. A possibilidade deste feito nos dias de hoje é com certeza fruto dos anos de trabalho e da luta de André Leon Talley. Rest in power!

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