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Anna Ramalho: a arte das notinhas e da generosidade

A jornalista carioca Anna Ramalho partiu ontem, e nunca mais verei seu sorriso do outro lado do telefone – sim, mesmo em telefonemas ‘vintage’, sem câmera, podíamos perceber o sorriso só de ouvir sua voz – é algo que empobrece nosso mundo já tão baqueado por tantas notícias difíceis. 

Anna era mestre em uma arte de escrita dominada por poucos jornalistas: a das notas curtas, normalmente com notícias exclusivas, em colunas diárias de jornal que sempre buscam dar um ‘furo’, ou seja, algo inédito e relevante que fará os coleguinhas (os outros jornalistas) repercutirem nos jornais do dia seguinte.

Eu poderia gastar parágrafos e mais parágrafos para contar da carreira brilhante desta profissional maravilhosa, que foi ‘sub’ (subeditora) de grandes nomes como Zózimo e Fred Suter, passou pelos três jornais que importavam no Rio (Jornal do Brasil, O Globo e O Dia) e venceu o machismo ao ganhar uma coluna com seu próprio nome, mas aprendi com ela que textos curtos e precisos são mais eficientes. 

Para quem conviveu com a Anna, mais vale falar de seus olhos sorridentes, sua disponibilidade eterna para um papo, sua atenção verdadeira ao interlocutor (ah, como é pouco valorizada a arte de ouvir o outro), sua perspicácia e inteligência arguta, a ironia fina e elegante, o humor irreverente de quem viu de tudo e não se deslumbrava com nada.

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Anna conviveu com os muito ricos sem invejar ou cobiçar. Ela manteve amizades de 50, 60 anos, e sempre arranjou espaço para botar mais gente em seu círculo, onde cabiam pessoas de todo tipo de procedência. Ela passava a mão no telefone e falava com o governador, desligava e emendava papo com o faxineiro que vinha limpar a sua sala, dedicando a mesma atenção e gentileza.

Seus cabelos louros estavam sempre bem penteados, com ondas lindas, e imagino que algumas doses de laquê garantissem a vitória do penteado sobre a umidade implacável do Rio de Janeiro.

Ela foi debutante no famoso baile do Copacabana Palace, onde as meninas da Zona Sul – que o colunista Ibrahim Sued chamava de ‘pão com cocada’ – pontificavam, mas arrumar marido rico e botar o boi na sombra nunca foi sua meta. Para a nossa sorte, plantou suas palavras por aí e agarrou o mundo com as mãos, como uma autêntica mulher independente e à frente de seu tempo. 

Sempre updated, abraçou a revolução digital e se reinventou aos 60 e poucos anos, abrindo um portal na internet e fazendo lives no Instagram.

Anna adorava comer e beber, celebrar, viajar, descobrir, se divertir. Quando entrei no jornal O Dia como estagiária, inibida frente aos medalhões do jornalismo que tanto admirava, eu tinha em seu pequeno aquário (a sala de vidro dos editores) um pouso seguro, um lugar que transbordava sororidade muito antes de a palavra virar lugar-comum.

Quando mudei de jornalista a relações públicas, iniciando a carreira na L’Oréal, passei a compartilhar com ela as novidades cosméticas. Revendo nossa troca mais recente de WhatsApp, reproduzo abaixo uma de nossas conversas, algo que a intimidade entre a gente a permitia dizer:

“Querida, quanto tempo !! Tudo bem ? E Paulo? Muita saudade…Agora vivo nas lives onde minha pele é sempre assunto. Afinal, estou com 71. Aí pensei, quem sabe, a Dior faria uma parceria comigo me enviando produtos que uso que estão caríssimos pra mim. Aquele creme pra dormir, o hidratante do dia a dia, o concealer, batom, essas coisas. Que eu divulgaria nas minhas lives. Pra 71, modéstia â parte, bato um bolão. Sem plástica. O q vc acha ?  Beijos saudosos.”

Ah, Anna, que influencer maravilhosa você sempre foi! Que falta nos fará!

Ela teve uma vida plena: amou, teve um filho que idolatrava, duas netinhas lindas, uma multidão de amigos e ‘fontes’ (como os jornalistas chamam quem passa notícias quentes) e uma agenda repleta de eventos, jantares e agito. Tudo isso nos conforta, mas a tristeza bate mesmo assim. 

anna ramalho anna ramalho 

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Anna querida, vou sempre imaginar você em sua penteadeira, seguindo um ritual maravilhoso de skincare com zilhões de steps, deliciando-se com as texturas e cheiros de seus cremes amados e pensando no que ia escrever para seus leitores no dia seguinte. Saiba que eu concordo: você realmente batia um bolão.

Beijo grande da sua eterna fã,

Priscila Monteiro.

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